sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Defesa Breve dos Deuses Pagãos

Há um certo discurso, com origem entre os pré-socráticos, retomado por Platão, e, mais tarde, muito aproveitado pelos Padres da Igreja (e ainda hoje ecoado — daí este pequeno post), segundo o qual a mitologia clássica exprime uma concepção primitiva do fenómeno divino, que os hebreus, dizem, teriam muito mais rapidamente superado, com a progressiva rarefacção da ideia de deus que se foi operando na sua cultura. Os deuses greco-romanos seriam deuses, à luz de Iavé e dos seus descendentes cristão e muçulmano, inaceitáveis: adúlteros, mentirosos, caprichosos. Já o monoteísmo teria cumulado deus com todas as perfeições, erigindo-o em modelo moral, daí a sua superioridade em termos do que poderíamos chamar a história da ideia de deus. O pecado capital da teologia pagã seria, assim, o da antropomorfização radical dos deuses (superior, apesar de tudo, ao teriomorfismo dos egípcios). Este discurso é, porém, contraditório, pois assenta ele mesmo numa lógica implícita de antropomorfização, ao querer submeter os deuses ao mesmo código moral que deve valer nas relações entre humanos, esquecendo a sentença de Heraclito: «para os deuses, todas as coisas são belas, boas e justas; os homens, porém, consideram injustas umas coisas e justas outras» (trad.: Alexandre Costa) [τῷ μὲν θεῷ καλὰ πάντα καὶ ἀγαθὰ καὶ δίκαια, ἄνθρωποι δὲ ἃ μὲν ἄδικα ὑπειλήφασιν, ἃ δὲ δίκαια] [B102].   

Midas & Medusa

com um agradecimento à Ália, que nos chamou a atenção para este divertido cartoon

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

π

(do baú das frases gregas cuja versão alemã já aqui tinha sido explorada)


ἀεὶ ὁ θεὸς γεωμετρεῖ
"God always geometrizes", Plato.

Plutarch elaborated on this phrase in his essay: Πῶς Πλάτων ἔλεγε τὸν θεὸν ἀεί γεωμετρεῖν "What is Plato’s meaning when he says that god always applies geometry" [No Banquete 8.2.1 = 718c]. Based on the above phrase of Plato, a present day mnemonic for π (pi) was derived:

ἀεὶ ὁ θεὸς ὁ μέγας γεωμετρεῖ τὸ σύμπαν :: Always the great God applies geometry to everything. 

π = 3.1415926... 
ἀεὶ - 3 letters
ὁ - 1 letter
θεὸς - 4 letters 
ὁ - 1 letter
μέγας - 5 letters
γεωμετρεῖ - 9 letters 
τὸ - 2 letters
σύμπαν - 6 letters

na quadra em que estamos não se rogam pragas

   20 Dezembro (segunda). Chove. Mas não interessa. O Natal vem aí e é preciso cumprir a obrigação de inventar a amizade e a cortesia e a ternura familiar. (...) sento-me aqui à procura não bem do ter que dizer, mas de uma maneira em que esse dizer seja outro no seu modo de ser o mesmo. É um pouco difícil, atravessado como estou de pragas contra o Natal. (...) na quadra em que estamos não se rogam pragas. Mas é só o que me apetece pela chuva e pelos embrulhos. Bom. Mas dizer o quê então? Não sei, coisas várias, restos de uma conversa de ontem com a Regina. Relia eu um pouco de latim, que me tem apetecido como as filhós da infância. E então pensei uma vez mais em como é enorme a distância de uma língua escrita à falada. A escrita é uma invenção da gramática, mais ou menos desvitalizada como uma múmia. A falada é orgânica, feita de sucos e gestos e cuspo e contracções do rosto e esquematismos verbais. Como imaginar numa página em latim a língua falada na rua, em família, na cama, entre vigaristas, entre os trapos da pobreza? Como imaginá-la no correntio da vida, fora da gramática e das regras da recta pronúncia? (...)
   E então pus-me a pensar numa invenção provável para daqui a quinhentos anos e já decerto visionada por um inventor no desemprego e imaginário sem responsabilidades. Aqui há anos os jornais noticiaram que na Itália um sujeito abriu a TV e com enorme surpresa sua captou uma emissão de há quatro anos. Os sinais emissores tiveram tempo de percorrer um largo espaço do cosmos e voltaram do passeio desses quatro anos. Como não conceber que os raios luminosos emitidos há séculos venham a ser captados um dia? Como não imaginar que os sinais sonoros igualmente venham a ser recuperados por uma máquina habilidosa? (...)
   É fácil assim prever que ao serão um maníaco historiográfico carregue num botão do aparelho e reveja a batalha de Aljubarrota ou a pregação de Cristo ou o assassinato de César. Será então possível recuperar uma língua já morta, ouvir de novo um discurso de Péricles ou de Cícero, ouvir as plebes romanas aglomeradas no circo ou no foro ou nas termas, ou na Via Ápia. (...)
   Tenho pena de já cá não estar. Mas é possível que então eu me sentisse privado da ignorância, dentro do saber de então, como hoje me sinto intrigado e fascinado por não ter conhecido o que não conheci, desde a Helena de Tróia à padeira de Aljubarrota.

Vergílio Ferreira, Conta- Corrente IV (1982-1983), Lisboa, Bertrand Editores, 1993, 191-192

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre a Ideia de Progresso









Toda a ideia de progresso é contrariada pela existência da Ilíada. A perfeição do primeiro excerto torna ridícula a pretensão de ascensão progressiva. Mas a Ilíada é, ao mesmo tempo, uma acção provocatória em relação às formas, desafia-as e envolve-as num leque que deve ainda abrir-se. E isso precisamente graças à nitidez imperiosa com que do seu interior é excluído, e quase expulso, o que depois, durante séculos, se articularia na palavra. Aquele início perfeito evoca obstáculos ausentes, Mallarmé.

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, pg. 108 
Cotovia, Lisboa: 1990. (trad.: Maria Jorge Vilar de Figueiredo).

O Exemplo Que Faltava em Maquiavel

Sebastiano Ricci (1706-08), A Infância de Ciro @ Kunsthalle, Hamburgo
Esse estratagema com que os tiranos embrutecem os súbditos está, mais do que em qualquer outro lado, explicitado no que Ciro fez aos lídios, depois de se ter apoderado de Sardes, cidade capital da Lídia, e de ter aprisionado o riquíssimo rei Creso, levando-o cativo. Trouxeram-lhe a notícia de que os de Sardes se tinham revoltado, e ter-lhe-ia sido fácil dominá-los; mas, não desejando saquear uma tão bela cidade nem querendo destacar para lá um exército que a vigiasse, recorreu a um outro espantoso expediente. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos, mandando apregoar um decreto em que obrigava os habitantes a frequentá-los.

Tão bons resultados teve esta guarnição que foi desnecessário daí em diante levantar a espada contra os lídios. Os desgraçados divertiram-se a inventar toda a casta de jogos, de tal forma que a palavra latina usada para significar passatempo é a palavra ludi, que vem de Lydi (lídios)*. Nem todos os tiranos foram tão explícitos no seu desejo de tornarem os homens frouxos, mas o que este ordenou formalmente foi pela maior parte realizado de forma velada.

La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, pg. 42-3 
Antígona, Lisboa: 1997. (trad.: Manuel João Gomes)

*Tanto quanto sei, esta etimologia é falsa: os estudiosos dividem-se entre os que fazem ludus derivar do etrusco e os que remetem para a raiz proto-indoeuropeia *leid-, que significa brincar.

[Mais cette ruse de tyrans d’abêtir leurs sujets ne se peut pas connaître plus clairement que Cyrus fit envers les Lydiens, après qu’il se fut emparé de Sardis, la maîtresse ville de Lydie, et qu’il eut pris à merci Crésus, ce tant riche roi, et l’eut amené quand et soi : on lui apporta nouvelles que les Sardains s’étaient révoltés ; il les eut bientôt réduits sous sa main ; mais, ne voulant pas ni mettre à sac une tant belle ville, ni être toujours en peine d’y tenir une armée pour la garder, il s’avisa d’un grand expédient pour s’en assurer : il y établit des bordeaux, des tavernes et jeux publics, et fit publier une ordonnance que les habitants eussent à en faire état. Il se trouva si bien de cette garnison que jamais depuis contre les Lydiens il ne fallut tirer un coup d’épée. Ces pauvres et misérables gens s’amusèrent à inventer toutes sortes de jeux, si bien que les Latins en ont tiré leur mot, et ce que nous appelons passe-temps, ils l’appellent ludi, comme s’ils voulaient dire Lydi. Tous les tyrans n’ont pas ainsi déclarés exprès qu’ils voulsissent efféminer leurs gens ; mais, pour vrai, ce que celui ordonna formellement et en effet, sous main ils l’ont pourchassé la plupart.]

Falar Grego Antigo

(começa aos 0:30)
Quando acabei o curso, devo confessá-lo aqui, não era capaz de pegar num livro de Plutarco e lê-lo em Grego sem tradução e sem dicionário. Isto para dizer que, de certa maneira, a primeira coisa que salta à vista no estudo do Grego é o grande fracasso dos métodos tradicionais do ponto de vista dos seus resultados. Se dedicarmos o mesmo número de horas  à aprendizagem do inglês ou do francês conseguimos resultados vastamente superiores. - Cristophe Rico
Cristophe Rico é o famoso autor do livro de grego Polis: Parler le grec ancien comme une langue vivante (Cerf). Embora me incomode um pouco por ensinar a língua comum (Koinê), e não o Grego Clássico  é essa a razão principal pela qual continuo a optar pela ampliação italiana feita por Luigi Miraglia do manual Athenaze (Vivarium Novum Edizioni et alii) feita a partir da versão inglesa de Maurice Balmer,  adaptação essa por sinal bastante melhor do que a original inglesa — fora esse detalhe técnico simpatizo com ele a toda a linha contra os méthodos vulgarmente utilizados. Uma crítica na Amazon ao livro diz-nos «For people learning modern languages, this seems like a no brainer, but trust me, you have never seen a book on a "dead language" like Rico's.» - pelo menos nada escrito nos últimos 250 anos, acrescentaria eu. Alunos que aprendem línguas antigas (tudo isto vale quer para o Grego quer para o Latim) pela primeira vez com méthodos vivos não só se espantam que se possa aprender de outra maneira, como também (ao contrário dos seus pares que as aprendem tradicionalmente, para os quais que o ensino possa ser diferente é também motivo de estupefacção) atingem por regra graus de proficiência notavelmente superiores. Tudo isto são coisas de que já aqui falei.

Mas oportet ouvi-las iterum iterumque. Qualquer pessoa que conheça os dois lados da questão reconhece qual o mais bem-sucedido, agora o futuro ou a sua condenação depende daqueles que efectivamente dão as cartas: os professores do secundário, os professores universitário, cujo vasto conhecimento passivo das línguas se poderá transformar em conhecimento activo desde que estejam dispostos a esforçar-se para o aprender, com proveitos colossais para os seus futuros alunos. Por vezes lamentamo-nos (em Portugal, onde o ensino das línguas antigas se passou a iniciar apenas na universidade) que "agora", visto que já não se parte com bases do secundário, é "impossível" obter os mesmos resultados que antigamente, ignorando o facto de a diferença, embora existente, não é qualitativamente superior; resultados muito melhores que os "de antigamente" poderão ser atingidos, desde que se ouse enfrentar o ovo de Colombo de que podemos ensinar e aprender estas línguas de maneira diferente. Τοὐλάχιστον δὴ τοῦτ' ἐλπίζ' ὲγώ!

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Philologias Natalícias dum Leitor Bilingue

Hoje por ser Natal resolvi ler as narrativas da Natividade presentes nos Evangelhos (não em todos, está por exemplo ausente em S. Marcos, e em S. João aparece apenas na forma lacónica com que Vos saudámos há 2 anos atrás). Peguei na minha edição bilingue Greco-Latina de Gianfranco Nolli, que contem uma edição crítica grega juntamente com a edição latina vulgarmente chamada a Nova Vulgata, sendo uma reedição do texto latino que circulou até ao século XX. Pelo que ouço, a Nova Vulgata resolve vários problemas a nível textual, mas foi aquando da sua criação (e mesmo ainda hoje) criticada por aqueles para quem o texto latino, porquanto seja uma tradução, adquiriu ele próprio o estatuto sacral que seria num contexto normal reservado à versão original, numa situação análoga encontramos a edição dos 70 na comunidade judaica da Antiguidade, ou a Authorized Version nas comunidades anglófonas; no que à Vulgata diz respeito, esta ideologia remonta à crítica protestante da fixação cathólica pelo texto latino, chegando-se ao ponto de as traduções cathólicas da Idade Moderna se gabarem de serem feitas a partir do texto latino, mesmo em casos em que os tradutores conhecessem o grego e o hebraico - é o caso da dita Bíblia Douai-Rheims.

Estou porém infelizmente muy longe de me poder gabar de conhecer as ramificações paralelas das diversas traduções bíblicas, mesmo ficando-me pelas versões gregas ou por estas duas versões latinas, digo a Vulgata e a Nova Vulgata. Hoje no entanto quanto como dizia lia as narrativas natalícias, reparei junto de S. Lucas que a tradução latina do hymno de louvor dos anjos Δόξα ἐν ὑψίστοις θεῷ [Glória a Deus nas alturas] aparecia traduzido como Gloria in altissimis deo. Familiarizado como estou com o famosa formulação do versículo enquanto Gloria in excelsis deo [Glória a Deus nas alturas], a minha primeira reacção foi a típica ignorância boçal de lamentar que a revisão da Nova Vulgata tivesse 'deturpado' uma versão tão consagrada quanto o era o excelsis antigo, ainda para mais quando a diferença entre ela e altissimis não é virtualmente nenhuma, e ὑψίστοις traduz ambos sem qualquer penalização semântica.

Decidi assim confirmar. Há duas grandes versões da Vulgata Latina, ou duas grandes edições, a mais importante é a Vulgata Clementina, nascida dos esforços da contra-reforma, que, como os seus inimigos protestantes, pôs a bom uso todo o aparato da imprensa para fins de propaganda religiosa, resultou na uniformização das diferenças apesar de tudo ainda existentes entre edições. A outra é a Bíblia de Stuttgart, uma edição crítica do texto latino, ateando-se a ele mais do que a uma tradução fiel dos textos gregos ou hebraicos. Conferi ambas, e não é que ambas me devolviam a versão Gloria in altissimis? Para confundir ainda mais, algures  antes o texto do evangelho que o antecede reza Ecce enim evangelizo vobis gaudium magnum, que eu na mixórdia em que versava a minha cabeça já começara a emparelhar a um outro, Nuntio vobis gaudium magnum, com o resultado de pensar que também essa alteração se deveria a uma alteração textual da tradução. Como porém reconciliar esse facto com a situação em que o texto latino se apresentava idêntico para o que interessa nas três versões?

A solução apareceu em breve, um elegante desnodar dos problemas que teve como principal resultado aquela conclusão com a qual se não estivesse já habituado a ela teria diariamente problemas, um exercício de prática de humildade intelectual, que é um euphemismo para dizer um atestato de estupidez auto-passado: coalescera três textos para resultar na confusão final. O primeira era realmente o texto bíblico das três versões acima-citadas, "Ecce enim evangelizo vobis gaudium maximum [...] Gloria in altissimis Deo." O Segundo era o anúncio da eleição papal, esse sim com a fórmula de Nuntio vobis magnum magnum (aqui as más-línguas poderiam apontar que quem quer que escreveu esta formulação poderia muito bem ter em mente fazer ressoar o eco entre as duas passagens, entre a vinda do Christo e a do seu Vicário). O terceiro e último, a chave-mestra do enigma, é que o hymno a que fazia referência e que tem o incipit por Gloria in excelsis Deo na realidade não é modelado no texto latino das Vulgadas mas sim antecede-o, sendo uma tradução anterior à de S. Jerónimo levada a cabo pelo Doutor da Igreja S. Hilário de Poitiers; a versão dele a partir do grego, essa sim, segue Gloria in excelsis Deo, sendo que essa tradução faz parte do conhecido cântico, anterior como dizia a Jerónimo. Os dois textos, de Jerónimo e de Hilário, floresceram paralelamente através dos tempos, e foram hoje motivo de intriga.

Tradutor Acrescentador


A Origem da Comédia deseja a todos os seus leitores um feliz Natal.
Obrigado pela vossa fidelidade, que nos dá o ânimo para continuar.

ἐν μέσῳ δύο ζῴων γνωσϑήσῃ [...] ἐν τῷ παρεῖναι τὸν καιρὸν ἀναδειχϑήσῃ.
No meio de dois animais, serás conhecido; [...] quando for a hora, aparecerás.

Habacuc 3, 2
(esta parte do versículo, apropriadamente para este blogue de coisas clássicas,
é exclusiva da versão grega dos Setenta, não se encontrando no original)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Uma História de Amor


Catena Aurea

Hércules olhando a estátua do Pai
Experimentai, pois, ó deuses, para que todos saibais!
Do céu pendurai uma corrente feita de ouro
e agarrai nela, ó deuses todos e deuses todas!
Mas não arrastaríeis do céu para a planície terrena
Zeus, o sublime conselheiro, ainda que vos esforçásseis.
Porém no momento em que eu quisesse puxá-la,
arrastaria a própria terra e o próprio mar;
e de seguida ataria a corrente à volta do cume do Olimpo,
e todas as coisas ficariam suspensas no espaço:
em tal medida sou superior aos deuses e aos homens.

[εἰ δ᾽ ἄγε πειρήσασθε θεοὶ ἵνα εἴδετε πάντες: 
σειρὴν χρυσείην ἐξ οὐρανόθεν κρεμάσαντες 
πάντές τ᾽ ἐξάπτεσθε θεοὶ πᾶσαί τε θέαιναι: 
ἀλλ᾽ οὐκ ἂν ἐρύσαιτ᾽ ἐξ οὐρανόθεν πεδίον δὲ 
Ζῆν᾽ ὕπατον μήστωρ᾽, οὐδ᾽ εἰ μάλα πολλὰ κάμοιτε. 
ἀλλ᾽ ὅτε δὴ καὶ ἐγὼ πρόφρων ἐθέλοιμι ἐρύσσαι, 
αὐτῇ κεν γαίῃ ἐρύσαιμ᾽ αὐτῇ τε θαλάσσῃ: 
σειρὴν μέν κεν ἔπειτα περὶ ῥίον Οὐλύμποιο 
δησαίμην, τὰ δέ κ᾽ αὖτε μετήορα πάντα γένοιτο. 
τόσσον ἐγὼ περί τ᾽ εἰμὶ θεῶν περί τ᾽ εἴμ᾽ ἀνθρώπων.] 

Ilíada 8.18-27
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)
*
Parece à primeira vista incrível, mas é a verdade: são sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão. [...] Tal é a influência destes poucos sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade deste como também a deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração dos dinheiros... [...]. E abaixo de todos estes vêm outros. Quem queira desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mim e milhões agarrados à corda do tirano; tal como em Homero Júpiter se gloria de que, puxando a corda, todos os deuses virão atrás.

[On ne le croira pas du premier coup, mais certes il est vrai: ce sont toujours quatre ou cinq qui maintiennent le tyran, quatre ou cinq qui tiennent tout le pays en servage. [...] Ces six adressent si bien leur chef, qu’il faut, pour la société, qu’il soit méchant, non pas seulement par ses méchancetés, mais encore des leurs. Ces six ont six cents qui profitent sous eux, et font de leurs six cents ce que les six font au tyran. Ces six cents en tiennent sous eux six mille, qu’ils ont élevé en état, auxquels ils font donner ou le gouvernement des provinces, ou le maniement des deniers,... [...]. Grande est la suite qui vient après cela, et qui voudra s’amuser à dévider ce filet, il verra que, non pas les six mille, mais les cent mille, mais les millions, par cette corde, se tiennent au tyran, s’aident d’icelle comme, en Homère, Jupiter qui se vante, s’il tire la chaîne, d’emmener vers soi tous les dieux.]

La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, pg. 50-51
Antígona, Lisboa: 1997. (trad.: Manuel João Gomes)
*
Subindo a escada em caracol no interior do templo, podia chegar-se às galerias superiores e daí observar de perto o Zeus de Fídias. Segundo Quintiliano, essa obra «acrescentara algo à religião dos homens». O ouro e o marfim alternavam apenas com pedras preciosas, excepto no trono onde também aparecia o ébano. Zeus estava cingido por uma coroa de oliveira e tinha na mão direita uma Nike com uma fita e uma coroa. Na base do trono havia outras pequenas Nike, como elfos dançantes. E também se viam Esfinges aladas arrebatando nas suas garras donzelas tebanas, e Apolo e Artemusa, trespassando, mais uma vez, os filhos de Níobe. E os olhos, habituando-se à escuridão animada, vislumbravam sempre novas cenas, esculpidas nas traves do trono. Quanto mais para baixo se olhava, mais se multiplicavam as figuras. Só na base do trono havia vinte e nove, as Amazonas, Héracles com as suas tropas e Teseu. Um rapaz ajusta uma fita na fronte: será Pantarques, o jovem amante de Fídias? Vedações pintadas, onde se vêem de novo Teseu e Héracles, depois Pirito, Ájax, Cassandra, Hipodamia, Estérope, Prometeu, Pentesileia, Aquiles e duas Hespérides, impedem o acesso ao trono. Na parte superior, surgem novos seres: três Cáritas e três Horas. Depois, o olhar volta a inclinar-se para o escabelo, fixando-se no pé de Zeus, e até aí encontra figuras: Teseu, mais uma vez, e de novo as Amazonas e leões de ouro. Continuando a descer com os olhos até à plataforma que sustenta o enorme Zeus e os seus parasitas, outras cenas se distinguem: Hélios subindo para o seu carro, Hermes avançando, seguido por Héstia, Eros recebendo Afrodite saindo das águas e sendo coroada por Peito. Não faltam Apolo e Artemisa, Atena e Héracles, Anfitrite e Posídon, e Selene, sobre um cavalo. Zeus, gigante sentado e incrustado de criaturas, reflectia-se num pavimento de pedra negra e brilhante, onde o óleo para a manutenção do marfim escorria em abundância. 

[...] Os modernos mostraram-se receosos e perplexos perante as descrições. Demasiadas cores, demasiado fausto oriental, a suspeita de uma certa falta de gosto. Terá Fídias, na sua obra mais ambiciosa, perdido todas as qualidades que se admiram nos frisos do Parténon? O erro dos modernos é considerarem o Zeus de Fídias uma estátua, como o Hermes de Praxíteles. O Zeus de Fídias, porém, era outra coisa. Encerrado e fulgurante na cela do templo, talvez se assemelhasse mais a um dólmen, a um abadir, a uma pedra caída do céu, a que se tivessem agarrado, para viver, os outros deuses e heróis. Sobre o ouro e marfim pululava o movimento de um formigueiro. Zeus não susbstiria senão como suporte de animais e de lírios, de arcos e panejamentos, de velhas cenas eternamente repetidas. Mas Zeus não era apenas aquele guardião imóvel sentado no trono: Zeus era todas aquelas cenas, todos aqueles gestos, confusos e emaranhados, que lhe eriçavam o corpo e o trono com arrepios minúculos. Fídias demonstrara, sem querer, que Zeus não pode viver sozinho: mostrara, sem querer, a essência do politeísmo. 

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, pg. 169-171 
Cotovia, Lisboa: 1990. (trad.: Maria Jorge Vilar de Figueiredo)

domingo, 23 de dezembro de 2012

Leitores Atentos §16

Guercino, Aurora (1621) @ Casino Ludovico, Roma
Esta noite, ainda antes do amanhecer, Hipócrates, filho de Apolodoro e irmão de Fáson, bateu com o bastão na minha porta, com toda a força e, quando lha abriram, precipitou-se imediatamente para o interior, a gritar, com voz forte:
- Sócrates, já acordaste ou ainda dormes?
E eu, reconhecendo-lhe a voz, exclamei:
- É Hipócrates! Não me vens trazer nenhuma má notícia, pois não?
- Não - respondeu ele. - Nada senão boas notícias.
- Diz lá, então - repliquei eu. - O que há? A que propósito vieste cá a esta hora?
- Chegou Protágoras! - respondeu ele, de pé junto de mim.

[τῆς γὰρ παρελθούσης νυκτὸς ταυτησί, ἔτι βαθέος ὄρθρου, Ἱπποκράτης, ὁ Ἀπολλοδώρου ὑὸς Φάσωνος δὲ ἀδελφός, τὴν θύραν τῇ βακτηρίᾳ πάνυ σφόδρα ἔκρουε, καὶ ἐπειδὴ αὐτῷ ἀνέῳξέ τις, εὐθὺς εἴσω ᾔει ἐπειγόμενος, καὶ τῇ φωνῇ μέγα λέγων, ‘ὦ Σώκρατες,’ ἔφη, ‘ἐγρήγορας ἢ καθεύδεις;’ καὶ ἐγὼ τὴν φωνὴν γνοὺς αὐτοῦ, ‘Ἱπποκράτης,’ ἔφην, ‘οὗτος: μή τι νεώτερον ἀγγέλλεις;’ ‘οὐδέν γ᾽,’ ἦ δ᾽ ὅς, ‘εἰ μὴ ἀγαθά γε.’ ‘εὖ ἂν λέγοις,’ ἦν δ᾽ ἐγώ: ‘ἔστι δὲ τί, καὶ τοῦ ἕνεκα τηνικάδε ἀφίκου;’ ‘Πρωταγόρας,’ ἔφη, ‘ἥκει,’ στὰς παρ᾽ ἐμοί.]

Platão, Protágoras 310a-b 
Relógio d' Água, Lisboa: 1999. (trad.: Ana Elias Pinheiro).
*
Se vires alguém sensato, madruga e vai ter com ele,
e desgastem os teus pés o limiar da sua porta.
[ἐὰν ἴδῃς συνετόν, ὄρϑριζε πρὸς αὐτόν, 
καὶ βαϑμοὺς ϑυρῶν αὐτοῦ ἐκτριβέτω ὁ πούς σου.]

Sir 6, 36, retirado da Nova Bíblia dos Capuchinhos.
Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima: 1998. (trad.: Arlindo Gomes Furtado)

Especulava Agostinho que Platão teria lido os Profetas [Cidade de Deus 8.11]; aqui é caso para imaginar o inverso: que Jesus (não o Cristo, mas o Filho de Sirá, de onde o nome do livro: Ben [filho, em hebraico] Sirá) terá contactado com o corpus platónico, o que é assaz plausível, dado o ambiente cultural, fortemente helenizado, em que a obra, do primeiro quartel do século II a.C., surge. A título de curiosidade, há um versículo do livro da Sabedoria (escrito em Alexandria, algures entre 150 e 50 a.C.) que recupera a mesma imagem da madrugada: «Quem por ela [sabedoria] madruga não se cansará» [ὁ ὀρϑρίσας πρὸς αὐτὴν οὐ κοπιάσει] [6, 14].

Hegel lê tudo isto e torce o nariz: «Quando as sombras da noite começam a cair é que levanta o voo o pássaro de Minerva» [Die Eule der Minerva beginnt erst mit der einbrechenden Dämmerung ihren Flug] [Princípios da Filofia do Direito, pg. 16 (trad.: Orlando Vitorino)]. Os outros respondem-lhe: pois é precisamente quando o mocho regressa a casa, ao amanhecer, que o devemos apanhar, quando ele vem inchado do que aprendeu de/da noite.

Do Valor do Original

...μούνην γὰρ κραδίην νοερὴν λίπον...
...deixaram apenas o «coração pensante»*...
Fragmentos Órficos 210a Kern
*usamos a tradução de Calasso, em As Núpcias... [p. 295],
 que foi quem nos deu a descobrir o fragmento.

διαβούλιον καὶ γλῶσσαν καὶ ὀϕϑαλμούς,
ὦτα καὶ καρδίαν ἔδωκεν διανοεῖσϑαι αὐτοῖς.
[Deus] Dotou-os de inteligência, língua e olhos,
de ouvidos e dum coração para pensar.
Sir 17, 6, retirado da Nova Bíblia dos Capuchinhos
Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima: 1998. (trad.: Arlindo Gomes Furtado)

Só ao fazer este post me apercebi da (parcial) falsidade da ligação que pensava existir entre os dois textos, que li com poucos dias de diferença, primeiro o último. A expressão «um coração para pensar» obrigou-me, na altura, a parar, parecendo resumir em si todo um programa para uma filosofia nova e sobretudo necessária, que leve a sério o desejo, a relação & os afectos. Pouco me importava que a nota esclarecesse que, para os hebreus, o coração era a sede do pensamento e que, portanto, a frase nada tinha de extraordinário: o que me interessava era o paradoxo que o tempo ali operara, e a sua potência. Ao ver agora o texto grego, percebo que entendi mal o texto: o «para pensar» refere-se não exclusivamente ao coração mas a todos os órgãos antes listados, como deixa claro a tradução do King James: «Counsel, and a tongue, and eyes, ears, and a heart, gave he them to understand». E eu que entretanto até já publicitara a expressão «um coração para pensar» junto de um amiga. Valham-nos pois os gregos e Proclo, que nos salvou, como Atena o de Zagreu (a quem se refere o fragmento), esse «coração pensante», para alimentar a contemplação & a luz.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Sobre a Autoridade dos Antigos

The skull of Sir Thomas Browne resting on two volumes of Religio Me­dici
BUT the mortallest enemy unto Knowledge, and that which hath done the greatest execution upon truth, hath been a peremptory adhesion unto Authority, and more especially, the establishing of our belief upon the dictates of Antiquity. [...] Now hereby methinks we manifestly delude our selves, and widely walk out of the track of Truth.

For first, Men hereby impose a Thraldom on their Times, which the ingenuity of no Age should endure, or indeed, the presumption of any did ever yet enjoyn. Thus Hippocrates about 2000 years ago, conceived it no injustice, either to examine or refute the Doctrines of his Predecessors: Galen the like, and Aristotle the most of any. [...]

Secondly, Men that adore times past, consider not that those times were once present; that is, as our own are at this instant, and we our selves unto those to come, as they unto us at present, as we relye on them, even so will those on us, and magnifie us hereafter, who at present condemn our selves. Which very absurdity is daily committed amongst us, even in the esteem and censure of our own times. And to speak impartially, old Men, from whom we should expect the greatest example of Wisdom, do most exceed in this point of folly; commending the days of their youth, which they scarce remember, at least well understood not; extolling those times their younger years have heard their Fathers condemn, and condemning those times the gray heads of their posterity shall commend. And thus is it the humour of many heads, to extol the days of their Fore-fathers, and declaim against the wickedness of times present. Which notwithstanding they cannot handsomly do, without the borrowed help and Satyrs of times past; condemning the vices of their own times, by the expressions of vices in times which they commend; which cannot but argue the community of vice in both. Horace therefore, and Juvenal, and Persius were no Prophets, although their lines did seem to indigitate and point at our times. There is a certain list of vices committed in all Ages, and declaimed against by all Authors, which will last as long as human nature; which digested into common places, may serve for any Theme, and never be out of date until Dooms-day.

Thirdly, The Testimonies of Antiquity, and such as pass oraculously amongst us, were not, if we consider them, always so exact, as to examine the doctrine they delivered. For some, and those the acutest of them, have left unto us many things of falsity; controlable, not only by critical and collective reason, but common and Country observation. [...]

Other Authors write often dubiously, even in matters wherein is expected a strict and definitive truth; extenuating their affirmations, with aiunt, ferunt, fortasse: as Diascorides, Galen, Aristotle, and many more. Others by hear-say; taking upon trust most they have delivered, whose Volumes are meer Collections, drawn from the mouths or leaves of other Authors; as may be observed in Plinie, Elian, Athenæus, and many more. Not a few transcriptively, subscribing their Names unto other mens endeavours, and meerly transcribing almost all they have written. [...]

Fifthly, We applaud many things delivered by the Ancients, which are in themselves but ordinary, and come short of our own Conceptions. Thus we usually extol, and our Orations cannot escape the sayings of the wise men of Greece. Nosce teipsum, of Thales: Nosce tempus, of Pittacus: Nihil nimis, of Cleobulus; which notwithstanding to speak indifferently, are but vulgar precepts in Morality, carrying with them nothing above the line, or beyond the extemporary sententiosity of common conceits with us. Thus we magnifie the Apothegms or reputed replies of Wisdom, whereof many are to be seen in Laertius, more in Lycosthenes, not a few in the second Book of Macrobius, in the sals of Cicero, Augustus, and the Comical wits of those times: in most whereof there is not much to admire, and are methinks exceeded, not only in the replies of wise men, but the passages of society, and urbanities of our times. And thus we extol their Adages, or Proverbs; and Erasmus hath taken great pains to make collections of them, whereof notwithstanding, the greater part will, I believe, unto indifferent Judges be esteemed no extraordinaries; and may be parallel'd, if not exceeded, by those of more unlearned Nations, and many of our own.

Sixthly, We urge Authorities in points that need not, and introduce the testimony of ancient Writers, to confirm things evidently believed, and whereto no reasonable hearer but would assent without them; such as are, Nemo mortalium omnibus horis sapit. Virtute nil præstantius, nil pulchrius. Omnia vincit amor. Præclarum quiddam veritas. All which, although things known and vulgar, are frequently urged by many men, and though trivial verities in our mouths, yet, noted from Plato, Ovid, or Cicero, they become reputed elegancies. For many hundred to instance but in one we meet with while we are writing. Antonius Guevera, that elegant Spaniard, in his Book entituled, The Dial of Princes, beginneth his Epistle thus: «Apolonius Thyaneus, disputing with the Scholars of Hiarchas, said, that among all the affections of nature, nothing was more natural, then the desire all have to preserve life». Which being a confessed Truth, and a verity acknowledged by all, it was a superfluous affectation to derive its Authority from Apolonius, or seek a confirmation thereof as far as India, and the learned Scholars of Hiarchas. [...] 'Tis sure a Practice that savours much of Pedantry; a reserve of Puerility we have not shaken off from School; where being seasoned with Minor sentences, by a neglect of higher Enquiries, they prescribe upon our riper ears, and are never worn but with our memories.

Lastly, While we so devoutly adhere unto Antiquity in some things, we do not consider we have deserted them in several others. For they indeed have not onely been imperfect, in the conceit of some things, but either ignorant or erroneous in many more. [...] They conceived the torrid Zone unhabitable, and so made frustrate the goodliest part of the Earth. But we now know 'tis very well empeopled, and the habitation thereof esteemed so happy, that some have made it the proper seat of Paradise; and been so far from judging it unhabitable, that they have made it the first habitation of all. [...] Having thus totally relinquisht them in some things, it may not be presumptuous, to examine them in others: but surely most unreasonable to adhere to them in all, as though they were infallible, or could not err in any.

Thomas Browne, Pseudodoxia Epidemica (1646; 6th ed.: 1672), or 
Enquries into very many received tenets and commonly presumed truths, Cap. VI

Aussi Bonne Grâce








Para o Miguel

Xenofonte, historiador sério e da melhor água entre os gregos, fez um livro em que pôs Simónides a falar com Hiéron, rei de Siracusa, sobre as misérias dos tiranos. É um livro cheio de bons e graves argumentos e, a meu ver, com muita graça.

Xénophon, historien grave et du premier rang entre les Grecs, a fait un livre auquel il fait parler Simonide avec Hiéron, tyran de Syracuse, des misères du tyran. Ce livre est plein de bonnes et graves remontrances, et qui ont aussi bonne grâce, à mon avis, qu’il est possible.

La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, pg. 41
Antígona, Lisboa: 1997. (trad.: Manuel João Gomes)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tέλος

A certa altura da sua história, quando todos os palácios tinham sido incendiados e já não se via o ouro, a certa altura da sua história de que bem pouco sabemos, porque não nos foram deixados nem palavras nem monumentos, os Gregos optaram pela perfeição em detrimento do poder. O poder sonha com uma expansão indefinida, a perfeição não pode sonhar. O perfeito é apenas um entre os inúmeros pontos do processo que transforma constantemente a existência. Mas este ponto tem um defeito oculto, que aterroriza os Gregos: o ponto perfeito é aquele que conclui, que mata. 

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, pg. 238
Cotovia, Lisboa: 1990. (trad.: Maria Jorge Vilar de Figueiredo).

O Amor Picado Por Uma Abelha

Albrecht Dürer, Cupid the Honey Thief [roubado aqui]
Eros, certa vez, entre rosas
uma abelha adormecida
calhou não ver e foi picado.
Com o dedo ferido
da mão se pôs a gritar,
e a toda a pressa esvoaçou
para junto da bela Citereia:
“Estou perdido, mãe! – dizia –,
estou perdido e às portas da morte!
Uma serpente me mordeu, pequenina,
dessas com asas a que chamam
abelha os agricultores.”
Ela lhe respondeu: “Se o ferrão
te magoa, o de uma abelha,
quanto julgas tu que magoas,
Eros, aqueles que tu atinges?

[Ἔρως ποτ’ ἐν ῥόδοισι/ κοιμωμένην μέλιτταν/ οὐκ εἶδεν, ἀλλ’ ἐτρώθη./ τὸν δάκτυλον παταχθείς/ τᾶς χειρὸς ὠλόλυξε,/ δραμὼν δὲ καὶ πετασθείς/ πρὸς τὴν καλὴν Κυθήρην/ ’ὄλωλα, μῆτερ,’ εἶπεν,/ ’ὄλωλα κἀποθνήσκω·/ ὄφις μ’ ἔτυψε μικρός/ πτερωτός, ὃν καλοῦσιν/ μέλιτταν οἱ γεωργοί.’/ ἃ δ’ εἶπεν· ‘εἰ τὸ κέντρον/ πονεῖς τὸ τᾶς μελίττας,/ πόσον δοκεῖς πονοῦσιν,/ Ἔρως, ὅσους σὺ βάλλεις;’]

Anacreontea 35 
Fluir Perene, Coimbra: 2009 (trad.: Carlos Jesus). [online aqui].

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Rafael Theólogo, Rafael Pagão

Rafael: os philósophos da Escola de Athenas - face a face aos theólogos da Disputa sobre o Sacramento. Arquitectura da História, Theologia da Arquitectura. A razão pagã diante da graça que interrompe, que auncia o momento do fim, e no meio da seta do tempo — nós.

Pagans in the Church. Stanford University.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Valha-nos São Platão!

In [unsophisticated monastic circles] Plato and Aristotle, with Plutarch not far behind, ranked with the prophets. You can see them painted in chapels on Mount Athos or on Orthodox churches in Moldavia. […] The Tree of Jesse on the outside wall of churches such as Sucevitsa often includes Thucydides, Plutarch, and even Porphyry.

Steven Runciman. The Last Byzantine Renaissance. Cambridge University Press (1970).

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Novidades Classica Digitalia

(informação recebida pela Origem da Comédia)
O Conselho Editorial dos Classica Digitalia – braço editorial do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da UC – tem o gosto de anunciar três novas publicações. Todos os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital. O eBook correspondente (cujo endereço direto é dado nesta mensagem) encontra-se disponível em acesso livre. O preço indicado diz respeito ao volume impresso. 

NOVIDADES EDITORAIS

Série “Humanitas Supplementum” (Estudos)
- José Augusto Ramos & Nuno Simões Rodrigues (coords.), Mnemosyne kai Sophia (Coimbra, Classica Digitalia/CECH/CHUL, 2012). 200 p.
Hiperligação: https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/handle/123456789/134
PVP: 20 € / Estudantes: 16 € [capa dura]
- Ana Maria Guedes Ferreira, O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcmeónidas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012). 396 p.
Hiperligação: https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/handle/123456789/136
PVP: 30 € / Estudantes: 24 € [capa dura]

Série “Varia” (Estudos)
- M.ª Nieves Muñoz Martín & José A. Sánchez Marín (eds.), Homenaje a la Profesora María Luisa Picklesimer (In memoriam) (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012) 434 p.
Hiperligação: https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/handle/123456789/135
PVP: 25 € / Estudantes: 20 €

sábado, 8 de dezembro de 2012

[FLUL] "Shakespearian Sophocles"



Fiona Macintosh
(University of Oxford)

12 de Dezembro de 2012 |
18h00 | FLUL Sala 2.13